segunda-feira, 23 de julho de 2012

Para uma professora.

Bem, parabéns, minha eterna professora. Há algum tempo não nos falamos. Não costumo ser nostálgico, ou dizer que sinto falta de alguma época de minha vida. Gosto de aceitar que tudo que passou, passou, e tento tirar o que posso e o que consigo de tais momentos, para ter boas lembranças deles depois. As lembranças nem sempre são boas. Mas, o que nessa vida que é sempre bom ?
Mas, não nego, sinto falta de suas aulas, de quando seus ''julhos'' somavam menos do que somam hoje. Não costumo sentir falta dos colégios que estudei. Não é não sentir. O Brasil ainda não tinha sido eliminado pela Holanda. Neymar ainda era só mais uma promessa. Restart ainda eram "os coloridinhos", e gostar deles era feio e bobo. A idade do Vinicius era desconhecida, eu saía de meus 15 anos, jurando me revoltar contra o mundo. Descobriram a idade, eu não me revoltei, Neymar cresceu, Restart ainda está aí, e Felipe Melo tomou a culpa da eliminação. Exemplos bobos, para uma simples frase. O tempo passou, minha professora. Muito, para mim. Para você, eu não sei.
Nós certamente não somos mais o que éramos naquela época. Você nos ensinava. Não sei se posso falar pelo resto daquela turma. Mas para mim não era só geografia, geopolítica, ou qualquer outra matéria que tenha sido discutida em sala. Não era uma aula qualquer. Não era uma professora qualquer. De nossos encontros tirei coisas que ainda levo comigo, e que pretendo continuar levando. Não me lembro de muitas partes da geografia. Dormi, sim, em mais de uma ocasião. Não lembro de tudo e mentiria em dizer que lembro. Mas o que eu lembro, me agrada até hoje. Bons tempos que passaram há tanto tempo, tão pouco tempo.
Eu usava um aparelho na coluna e você usava saias gigantes. Eu por trás de meus óculos, e você com seu all-star. Eu via, e vejo, em você, uma professora que extrapolava as barreiras da sala de aula. Uma pessoa que extrapola as barreiras da vida. Talvez fosse mera admiração pela irreverência. Não sei. Talvez fosse puramente admiração. 2010 me foi um ano diferente. Foi um ano novo. E eu gosto de lembrar que passei, mesmo que pequena parte dele, em suas aulas. Não costumo sentir falta de colégios, não costumo elogiar professores. Mas em tudo, se tem uma exceção. Você foi uma exceção, em um ano de "vocês precisam estar prontos para o vestibular !". Não sei se teria o mesmo fascínio, não fosse a interrupção repentina de suas aulas. Mas, novamente, não gosto de pensar no que poderia ter sido. Gosto de pensar no que foi. E foi algo único, ter você como professora.
Não acho que eu possa dizer algo que você nunca tenha ouvido, mas eu digo, que você seja sempre a extrapoladora de barreiras. Que sua presença seja sempre tão agradável e construtiva para tantos outros como foi para mim. Felicidades, professora. Mestra. Referência. Um feliz aniversário.

domingo, 22 de julho de 2012

domingo, 15 de julho de 2012

Para:

Tudo movimenta. Todo movimento. Tudo envelhece. Todo envelhecimento. Toda sensação. Todo sentimento. Todo aborrecimento. Tudo, todo. Todo tudo. É luz, é claridade. É corrida, é obesidade. É a roça dentro da cidade.
Venta frio lá fora. Venta lá fora. Venta. Lá. Fora. Fora de mim, fora de si. O vento que passou em toda a cidade, dobrou em toda esquina. O vento que leva o sujo e deixa o novo. Não leva, não deixa. Não é sujo, não é novo. O vento vem e vai. Daqui eu vejo a poeira. São três da manhã e você em pé no escuro, com sua individualidade urbana. Essa é sua cidade, esse é seu progresso. Potes de poluição revestidos de alegria.
Amanhã é logo ali. Ontem esteve por aqui não tem muito tempo. E se não houvesse tempo ? Você ia ficar parado, para sempre. Olhando pra trás, por cima do próprio ombro, vendo a poeira que ergueu na estrada. A poeira passa. A poeira abaixa. E você não para de olhar.
O mesmo cachorro mija no mesmo poste todo dia. A mesma mãe busca o mesmo filho no mesmo colégio todo dia. Todo dia a mesma igreja acusa outra da mesma heresia. Todo dia o dia é dia, e ninguém vê que, não é o mesmo cachorro, não é o mesmo poste, a mesma mãe, o mesmo filho, o mesmo colégio, a mesma igreja, a mesma heresia. Não é o mesmo dia.
Um avião passa na mesma rota no mesmo horário. Da janela do meu banheiro eu vejo sua luz piscando, no céu cinza da noite. Vermelho, verde, vermelho, verde, vermelho, verde. Nuvens amarelas, fumaça e imensidão. Venta lá fora, entra o frio pela janela, fecho a visão do céu. Amanhã ele passa de novo. Se não cair, se não sumir, se quiser, se puder. Se passar. Amanhã ele passa de novo.
Eu queria conseguir tirar fotos de metade das estrelas que eu vejo no céu. Eu queria sonhar metade das coisas que já pensei em sonhar. Eu queria ser metade do que eu queria ter sido. Ter metade do que eu queria ter tido.
Eu te vejo daqui. Eu te vejo de todo lugar.Eu te vejo aqui. Eu te vejo em qualquer lugar. Mas moça, entenda. Isso não é sobre o que eu quero dizer. É sobre o que você quer entender. Não é sobre o que foi, e o que é pra ser. É sobre tudo que acontecer.
Às vezes penso no seu cheiro, moça. Às vezes penso em você, moça. Mas tudo movimenta. Tudo envelhece. Toda sensação, todo aborrecimento. É luz, é ingenuidade. Já senti falta de você, moça. Tanta sensação, tanto aborrecimento. Mas eu envelheci. E comigo o sentimento.
Daqui eu vejo o vento frio lá fora. As pessoas com frio. Os cachorros com frio. Eu com frio. Mas eu não estou lá fora. Eu não estou em lugar nenhum. Isso não é sobre mim, moça. Não é sobre você. É sobre quem ler. É sobre qualquer um que tente ser. É sobre qualquer coisa que acontecer.
São três da manhã e eu sentado no meu escuro. São três da manhã, e eu não saí de cima do muro.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Dez pras duas.

Tem um pinheiro na frente do poste. Coisa mais engraçada, um pinheiro em Goiânia. Um poste aceso em Goiânia. Quando pequeno sonhava com neves, Papai Noel, renas e pinheiros. Mas eram pinheiros diferentes. Aqueles eram bonitos. Eram pinheiros dos livrinhos infantis. Eram vários cones verdes, com luzes de natal. Esse pinheiro é estranho. Tem uma sombra estranha. Tem uma cor estranha. Tem um tamanho estranho. É um pinheiro em Goiânia, isso é estranho.
O tempo passa para pinheiros. O tempo passa para postes. Da minha janela eu via tudo. Via a luz, via a sombra. Via galhos crescendo, e galhos caindo. Vi natais. Vi carnavais. Vi promessas. Vi alegrias e vi tristezas. Tudo entre o pinheiro e o poste. Eu saía, eu voltava. Eu ia, e eu vinha. Eu nunca saía do mesmo lugar. Futebol, bicicleta, beijos, abraços, aviões, ônibus, músicas e filmes, triângulos e retângulos. E sempre lá, até quando nevava no cerrado, o pinheiro e o poste.
Da minha janela eu via muitos postes. Da minha janela eu via muitos pinheiros. Mas nenhum par de postes e pinheiros era como esse meu par. Nenhum pinheiro era tão estranho. E nenhum poste era tão alto. Eu não me lembro de quando plantaram esse pinheiro. Não me lembro de quando fincaram esse poste no chão. Lembro que estão aí, desde sempre. Pinheiro e poste. Concreto e madeira. Eletricidade e natureza.
Pipas se prenderam no meu pinheiro. Galhos caíram. Nomes foram riscados e apagados. Fios foram puxados do meu poste. Casas foram erguidas, e derrubadas. Por várias vezes, iluminou a noite. E eu da minha janela, observando tudo ao longe.
Nunca fui muito próximo de nenhum dos dois. Nunca conheci completamente nenhum dos lados. Nunca conheci. Mas era o meu par. Por mais desconhecido, sombrio, e assustador que pudesse ser, era meu, desde sempre, deveria ser para sempre. O tempo passa. Para pinheiros. E para postes. Ambientalismo, urbanização, desmatamento, supervalorização, desacato, superinformação.
O poste se empenou para um lado. Se afastou do pinheiro. O pinheiro cresceu novos galhos, em outras direções. Pareceu que tinham se esquecido que tinham suas bases no mesmo lugar, no mesmo pedaço de terra. E eu da minha janela.
Eu não sei o que dizer sobre meu pinheiro e meu poste. Eu não sei mais o que dizer sobre minha janela. Não sei mais o que dizer sobre as ruas, sobre as lâmpadas dos postes, sobres os ratos do esgoto. Eu já tive tanta certeza da minha janela. Eu já tive tanta certeza de qual rumo iriam meus galhos. Eu já sonhei tanto com o que eu iria iluminar com meu poste. E hoje eu não sei mais. Não sei. Não mais.
Lembro de tantos ditados da época de criança. Lembro de tantos velhos. De tantas pessoas. O que faz cada um diferente de mim, diferente de si mesmo ? O que difere cada poste ? O que marca cada pinheiro ? Me disseram que eu cresci. Mas minha janela continua ali. Empoeirada. Vidros arranhados. Do lado de fora da poeira eu vejo meu poste. Eu vejo meu pinheiro. Eu vejo a ordem, eu vejo o caos, eu vejo a dor e eu vejo o amor. Eu vejo o que nunca vi, vejo o que nunca verei. Vejo desejos, vejo anseios. Vejo um falso pinheiro goiano. Vejo um escuro poste de rua. Procuro brilho. Procuro luz. Procuro a união, a parceria. Procuro. Não acho.
Minha janela já foi mais do que janela. Minha janela já foi meu retrato, meu espelho. Eu já fui mais do que sou hoje. Já esperei mais do que espero hoje. Já quis mais do que quero hoje. Tive mais pressa, tive mais tanta coisa que não me lembro hoje.
Hoje eu não sei mais separar poste de pinheiro. Não sei mais separar muita coisa de tanta coisa. Mas aí, eu me lembro. Eu não acredito mais em pinheiros falsos do cerrado. Eu não acredito mais na luz fria de postes sem lâmpada. Eu não tenho mais fé nas mentiras de outras épocas. Já não acredito mais em pinheiros, neve, renas e Papai Noel. Já não acredito em mais nada.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Centro/Garavelo. Seis da tarde.


Eu falei pra minha mãe no dia que comprei essa calça. Esse bolso é fundo demais. Cadê minha carteira ? Sei que está ali, só não alcanço ela. Uma moça entra no ônibus. A moça. Ela insinua a passagem, saio do caminho, ela roda a catraca. Seu cabelo passa quase em meu nariz. Passou quase em minha alma. Um cheiro que não foi embora. Ficou no ar, ficou em meu nariz.
Ela sumiu no ônibus cheio. Peguei a carteira, rodei a catraca, fui pro mesmo lugar que sempre fico. Tentei achar ela, não achei. Lembrando de seu cheiro, tentando lembrar de seu rosto. Liguei minhas músicas, liguei minhas paranóias, liguei outro mundo. Gente vai, gente vem. Não lembrava mais que cheiro era. Seria cheiro de coberta ? Cheiro de perfume, cheiro de xampu ? Não lembrava mais.
O ônibus balançou, e em meio aos outros, eu vi seu rosto. Sentada, inerte, aérea. Fones nos ouvidos, olhos nas janelas. Agora eu já não sabia se era mesmo perfume ou se eu imaginei um cheiro. Tão isolada do resto, tão solta. O que estaria ouvindo ? Pra onde estaria olhando ? O ônibus balançou, e eu perdi seu rosto.
Alguns pontos se passaram, algumas várias poucas músicas. Quantas,quais, não me lembro. Talvez nem faria diferença se não passassem. Eram quase uma trilha sonora de um momento que parecia tão perdido. Pensava em muitas coisas. “Você vem sempre aqui ?”, ou “ essa passagem é sua ?”. “Você já assistiu Madagascar ? Ou qualquer outro desenho. Filmes, séries, gibis”. Vontade de ter toda a habilidade social que falta às vezes. Quase sempre.
O ônibus tremeu, e em meio à tantos outros, eu vi seu rosto. Mesma expressão, mesmos fones, mesmos olhos. Olhava para o celular agora. Mensagens, twitter, sabe-se lá o que era. Me peguei olhando para o cabelo novamente. Tentava lembrar que cheiro era. Tinha sido algo tão diferente, tão destacado dos cheiros da cidade, do ônibus, da mesmice de todo dia. Alguém me pergunta as horas. Preciso ouvir três, quatro vezes a pergunta, para me soltar. Seis e cinquenta. Obrigado. Me virei novamente. Os passageiros mudaram e eu perdi seu rosto.
Eu falei pro meu pai no dia que comprei essa calça. Esse bolso é muito fundo. Não alcançava meu celular. Desisti dessa vez, deixei como estava. Olhei se a carteira ainda estava no outro bolso. Procurei as chaves na mochila. Tudo no lugar. Olhei pro meio do ônibus, procurei um rosto. Procurei em vão.
O ônibus freiou, e em meio à tanta gente, ela viu meu rosto. Meio segundo para pensar em mil reações. Não tinha ido até ali pra virar o rosto e fingir não olhar. Um sorriso, meio com medo. Um sorriso de volta. O ônibus arrancou, e nossos olhos se perderam.
Um apito de descida na próxima parada. Me perguntaram as horas de novo. Só fui lembrar de responder quando estava quase em casa. Seria ela a descer ? O ônibus freiou. Não a vi no banco de antes. Vi seu cabelo de relance, passando pela porta. Ela desceu. Sinal fechado, ônibus ainda parado. Ela saiu por trás do ônibus. Olhei pela janela. Ela me viu, eu vi ela. Um sorriso, e um tchauzinho. Nome, telefone, endereço, email, facebook, qualquer coisa, tanta coisa. Nada. Sorri de volta. Em meio à tantos carros, tantas motos, tantos pensamentos e tantas coisas, a perdi de vista. O sinal abriu, o ônibus acelerou, e ela ficou. Eu fui. Ou ela foi e eu fiquei.
Até qualquer dia desses, em outro encontro acidental. Até nunca mais, moça cheirosa.