segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Vênus e Marte


Sabe aquele filme que começa em alguma cena movimentada, com muita ação, meio indecifrável, com tudo fora de contexto? Que de repente corta pra uma tela preta e te joga uma mensagem de "algumas horas antes"? É o que vai acontecer agora. Nossa cena movimentada se passa na madrugada do dia 12 de julho de 2018. Eu estava com uma moça com quem eu já havia me relacionado. Estávamos no mesmo lugar da primeira vez em que conversamos, em que nos beijamos pela primeira vez. A última vez em que havíamos nos encontrado tinha sido um esbarrão, cinco meses antes. A última conversa, quase um ano antes.

Eu jogo futebol nas quartas. Rotina mesmo, toda semana. Naquela eu não fui. Cansaço, sei lá. Eu estava em casa. Uma mensagem no celular. "Estou triste, me alegre". Uma hora depois eu estava na porta da casa dela com uma pizza nas mãos. Nada parecia fazer muito sentido. Conversamos. Conversamos muito. A noite era fria. Esse vento da madrugada que deixa o nariz gelado e as mãos frias. Piadas. Risadas. Silêncio. Abraço. Um olhar. Um beijo. Não parecia ter mais de um ano que nossos lábios não se tocavam. Não pareciam haver centenas de dias que eu não tinha seus cabelos no meu peito. Tudo era tão novo e tão quente quanto sempre tinha sido. Um daqueles momentos em que o mundo para e não existe mais nada além do próprio momento.

Aconteceu, então, algo que marcou todo este momento para mim. Durante alguns abraços, ela apontou para o céu, iluminado pela lua cheia, e fez um comentário sobre a especial beleza de Vênus naquele momento. Um corpo celeste brilhava sobre nós. Mas não esta a Estrela da Manhã brilhando à uma da madrugada. Era Marte. E naquele momento, apesar de não ter feito nenhum comentário, eu achei muito conveniente, tendo em mente nosso contexto, que a deusa do Amor fosse confundida com o deus da Guerra. Naquele momento, eu soube que nunca daria certo. Que era aquilo ali, e apenas. Aproveitei, fui embora o mais tarde que pude. E nunca mais a vi.

Agora é a hora em que o filme escurece e volta um ano e meio no tempo. 26 de janeiro de 2017. Dia de minha formatura. Inúmeras coisas passavam pela minha cabeça. Nenhuma delas era o que viria a acontecer.

Eu vinha conversando com uma moça, que, apesar de ser minha veterana na faculdade, se aproximou de mim pelas redes sociais. Não nos conhecíamos pessoalmente. Eu sabia que ela estaria na minha formatura, já que alguns amigos dela estariam se formando no mesmo dia. Mas era só. Não havia nada, não planejava nada. Seis horas depois, às quatro da manhã, nós dois olhávamos para o céu entre abraços e risadas.

Avance um mês.

Menos, na verdade.

18 de fevereiro. Nos vemos todos os dias, praticamente. Mas algo está errado. Ela está atrasada. Não deve ser nada. É tudo tão maravilhoso. Uma hora depois, muito atraso. Uma mensagem. Uma longa mensagem. Acabou.

É engraçado como as coisas funcionam nesses momentos. Eu acho o perfume dela maravilhoso. Mas os dias vão passando, e eu não lembro mais do cheiro. Eu lembro da sensação. Eu lembro de como eu me sentia ao respirar perto dela. Mas eu não me lembro do cheiro.

Março.

Algumas mensagens. Somos amigos. Eu não quero ser amigo. Uma situação envolvendo uma música ao vivo em um show em São Paulo. Te quero, mas não te tenho.

Abril. Poucas mensagens. A gente se encontra, terreno neutro. Eu não sei ser amigo. Não há assunto que segure a tensão existente. O silêncio prevalece.

Maio.

Junho. Meu aniversário. Piadas com signos. Mensagens bonitas. Significados maiores do que o comum. Nada é comum nessa relação.

Julho.

Agosto.

Setembro. Aniversário dela. Um sonho com um abraço de parabéns. Uma mensagem de felicidades. Só.

O tempo passa, inevitavelmente. Os meses ficam para trás. Empregos surgem, problemas passam. A vida vai seguindo. Separados.

11 de julho de 2018. Estou triste. Me alegre. Pizza, risadas, histórias. Amor puro. Romances são criados com as lembranças de momentos assim.

Mas aí Marte virou Vênus. Eu poderia fazer dezenas de analogias sobre os significados possíveis dessa confusão. Mas apenas uma me ocorre. Vênus não é apenas a deusa do amor. É também a deusa da prosperidade. A deusa das coisas que dão certo. A deusa da vitória, de certa forma. Marte é o destruidor. O caos. O selvagem. Incontrolável. Vênus não olha por nós, meu bem. Nossas noites de amor foram iluminadas pela destruição.

Somos fadados ao fim desde o começo.

Mas eu não quero deixar aqui a impressão de que tudo foi negativo. De maneira alguma. Houveram momentos especiais que levarei para sempre. Houve o amor, e este sempre existirá. Só é uma pena que esse amor tenha nascido para se perder em uma batalha sem vitória.

quarta-feira, 10 de maio de 2017

Circunstâncias

Já são quatro anos desde a última vez em que eu escrevi algo aqui. Quatro anos em que eu enrolei e nunca terminei os inúmeros textos que comecei. Anos em que me perdi e me distraí das coisas que realmente importavam. Anos de textos nos cantos do caderno e nas conversas de celular.
É meio estranho de se explicar. Não existe muito sentimento, muita lembrança. A única coisa que vem à cabeça é fugacidade. Não há uma cronologia estabelecida, firme, embasada. Tudo não passa de riscos e rascunhos e memórias desfocadas. Fugacidade e efemeridade. Um tempo em que escrevi pouco, mas pensei muito. Muitas vezes. Os mesmos assuntos. Extremamente desconexo, sem sentido algum.
Algumas semanas atrás, eu me encontrei com uma pessoa. Uma amiga. Mais uma de uma série de pessoas que surgem em nossas vidas em momentos aleatórios e que, por acontecimentos alheios à nossa vontade, tão aleatoriamente vão embora, restando apenas a promessa de amizade em encontros trimestrais. Conversamos. Conversamos bastante. Na verdade, monologuei bastante. Desabafei. E nesse dia eu cheguei a uma conclusão sobre esses quatro anos. Pela primeira vez em algum tempo, consegui definir algo sólido sobre minha personalidade e minha vida. Eu passei a ter medo. Medo de opiniões, de críticas, da solidão. E isso passou a, mesmo que levemente, alterar a minha maneira de pilotar minha existência (presumindo que ela de fato seja minha para pilotá-la). Exatamente num comentário sobre meu blog, eu percebi isso. Eu comentei que não escrevia há quatro anos. E então ela perguntou-me o óbvio: por qual motivo? E a resposta me saiu tão naturalmente quanto seria possível naquele momento: por vergonha. Por não querer pessoas lendo. Me lendo. Escrever é se expor, e eu estive cada vez mais fechado.
É engraçado quando você estabelece algo em sua vida e passa a se analisar com base nesse algo. Tanta coisa passa a (ou deixa de) fazer sentido. Uns anos pra trás, eu fui convidado pra festa de aniversário de uma moça da qual eu tinha me aproximado recentemente. Não fui. Eu não conhecia os amigos dela, eu não reconheceria ninguém na festa. Me apavorei pelo simples medo de ficar deslocado em algum canto de cômodo. Pensando agora, todo esse tempo depois, parece ridículo, até mesmo sem lógica, que isso seja a justificativa. Mas foi, mesmo que à época eu não compreendesse a situação dessa maneira.
Um dos vários motivos que me fizeram desistir do blog, e de textos em geral, foi a minha dificuldade recente em manter um texto com uma linha de raciocínio coesa e constante. Sempre começo com alguma ideia, mas acabo tentando contextualizar a ideia, o que gera uma explicação, para então voltar ao ponto principal, até alcançar o próximo devaneio em forma de parágrafo. Isso acabava acontecendo tanto que, ao meu ver, inviabilizava o texto enquanto comunicação. Passei a achar que ninguém me entenderia. Passei a ter medo, a ter vergonha. Foi nesse encontro, no mês passado, com essa amiga, que surgiu a sugestão que faltava. O empurrão decisivo.
Acabei entrando em uma espécie de paradoxo das redes sociais. Eu tinha a sensação de que ninguém me lia, ao mesmo tempo em que tinha a sensação de que as pessoas me liam e não gostavam. Porém, uma situação é completamente excludente da outra. Ou sou lido ou não. Apenas. Decidi, então, pela segunda. Que não gostem. Não deixarei de ser eu por medo ou por vergonha. Um posicionamento que eu já adoto na minha vida, na verdade. Tem uma música que eu gosto bastante e que acabou virando uma das minha citações mais utilizadas nos últimos anos: “a única pessoa que realmente está julgando você é você mesmo”.
Meu blog teve mais de quatro mil acessos, ao longo desses sete anos desde a sua criação, mas não teve nenhum nos últimos três anos. Vendo por esse ângulo, acabei por chegar à conclusão de que o lugar criado para exposição acabou se tornando o lugar mais seguro para derramar minhas neuras e meus pensamentos em toda a internet. Talvez seja apenas um sinal dos tempos mesmo, já que ninguém entra em blog hoje em dia.
Estou completamente enferrujado e desmotivado. Vários acontecimentos que não merecem citação neste ou em qualquer texto contribuíram para essa situação. À beira da exaustão. É engraçado ver que esse sentimento é coletivo, de toda uma geração. Ainda não tenho muita opinião formada (embasada) sobre esse assunto. Mas é divertido ver como conseguimos extrair experiências únicas de coisas que acontecem com todas as pessoas. Contexto, novamente. Uma vez, numa conversa, me disseram que a vida era feita de escolhas. Eu respondi que não, por impulso mesmo. A vida não é feita de escolhas. A vida é feita de contexto. Se você realiza as mesmas escolhas, nos mesmos ambientes, com os mesmos indivíduos, da mesma forma, você sempre terá o mesmo resultado. O que possibilita que cada situação em nossa existência seja única? Contexto.
Você está se sentindo mal. Se sentindo um fracasso, um desperdício de vida na face da terra. Aquela pessoa maravilhosa puxa conversa repentinamente em uma tarde qualquer. Vocês marcam um encontro numa lanchonete qualquer, em um horário qualquer. Vocês conversam, se conectam. Fragilidade se torna cumplicidade. Contexto.
Você está se sentindo bem, porém cansado. A mesma pessoa puxa um assunto qualquer. Você não consegue responder na hora. O tempo passa, o assunto é desalinhado. Vocês nunca se encontram. Sem tempo para ser frágil. Solidão na correria. Contexto.
Já são quatro anos desde a última vez em que eu escrevi algo que eu considerasse minimamente decente de ser publicado. Quatro anos de contextualização. Quatro anos de amores e amizades, de empregos, de abandonos e reencontros, de saudades e raivas, de sucessos e frustrações. Mudanças.
É uma pena que eu tenha perdido tanto tempo com coisas que não tenham valido a pena. Me enganarei eternamente dizendo que compensou viver cada situação pelo aprendizado e pela experiência. Ainda não sei definir até que ponto vale sofrer e doer em nome de mais experiência. Não sei se vale a pena confundir calos e machucados com marcas da vida.
A única coisa separando os quatro anos do dia de hoje. Contexto.

domingo, 21 de abril de 2013

Pássaro Vigilante nº xx

Hoje sento sob a mesma árvore. A mesma árvore de todos estes anos. Podada, quebrada, cortada. Com a casca diferente, mas a mesma árvore. Uma versão diferente da mesma árvore. Com outros pombos nela, outras teias de aranha em seus galhos. Porém, sempre árvore, sempre pombos, sempre teias.
Diferentes versões de mim sentaram sob esta árvore. Corta.
Tem um menino correndo logo ali em frente. Rindo e jogando o que parece ser um brinquedo de pano para o alto, totalmente alheio ao que está se passando em sua volta. Esfregando seu nariz nas portas de vidro, dando cambalhotas no chão. A mãe, distraída, conversa com uma amiga, logo ao lado. O menino se cansou, e agora se senta no chão. Ainda rola para lá e para cá, mas em um ritmo bem menor que o inicial. Corre até a mãe, pega uma garrafinha colorida e bebe dela. Se senta por mais alguns segundos e se levanta, ressurge, revigorado. Logo logo estará rodopiando pelo chão novamente, até se cansar, e se jogar no chão ao lado de sua mãe. Sua vida se resume a isso. Sua mãe.
Minha avó morreu há três dias. Eu não sinto a falta dela como achei que sentiria, nem chorei como pensei que choraria. Isso quer dizer que eu não gostava dela? Quando que eu deixei de ser aquele molequinho que não desgudava da mãe e da vó? Que passava dias perto das duas, achando, se é que se dava o trabalho de achar de achar, que elas estariam ali para sempre. Não estarão.
Hoje minha mãe chora a morte de sua mãe. Um dia eu chorarei a morta da minha. E um dia chorarão por mim. Mas, assim como eu agora vejo minha vida sem minha avó, e, mesmo esperando que demore a chegar, sem minha mãe, será que aqueles que são próximos a mim sentirão a minha? Qual o sentido dessa vida? Amar? Ser amado? Rir? Chorar? Ou simplesmente envelhecer e morrer arrependido? Não seria a vida um grande castigo? Crescer e se ver cada vez mais sozinho, incapaz de impedir a partida daqueles que importam para você. Um finito labirinto de expectativas e decepções.
Eu já me sentei neste banco, sob esta árvore, em várias situações. Para correr da chuva, para me esconder do sol, para rir, para abraçar, para ler, para comer. Ou, em algumas vezes, apenas para olhar para o céu e contar as estrelas.
Eu já fui o moleque brincalhão, que se suja no chão enquanto a mãe resolve algo. O moleque que olhava para o banco e via em cara estranho com um caderno na mão. Hoje eu sou o cara estranho no banco com um caderno na mão escrevendo sobre o pequeno babão. Minha vida é a árvore. Daqui eu vim, daqui um dia eu irei. O menininho se foi, o cara no banco um dia irá, assim como tantos já se foram antes dele. E quando minha árvore se for, quando meu banco for arrancado, outros me substituirão. Outras árvores, com outros bancos, outros cadernos falando sobre outros meninos. Ninguém é insubstituível, mas somos todos únicos.
Pode-se amar duas mulheres com a mesma intensidade, mas não será o mesmo amor. Pode-se comprar outro bem após um assalto, mas ele não será o mesmo. Um novo relógio não terá os mesmos arranhões do antigo, a mesma ferrugem. Será um relógio como o anterior, mas será outro. Será um moleque com o nariz no vidro, mas outro moleque. Serei eu no banco, na árvore. Mas não serei eu. Qual o sentido dessa vida? Não fazer sentido.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

2012 e qualquer coisa assim

Querido Papai Noel, o mundo vai acabar. Daqui alguns dias, tudo que nós conhecemos vai mudar ou deixar de existir. Em algum momento, com algum fenômeno sobrenatural, tudo vai acabar. Vidas, sonhos, amores, fortunas. Tudo. Fim. Mas tudo não acaba todo dia, Papai Noel? Todos os dias, pessoas morrem, amores desaparecem, fortunas se vão, tudo muda. Todos os dias, acordamos sendo uma pessoa, e dormimos sendo outra. O mundo sempre acaba. O mundo já acabou. O mundo sempre começa. E já começou.
Querido Papai Noel, eu queria pedir tanta coisa. Eu não quero pedir a paz mundial. Eu não quero pedir mais tempo para o mundo. Ele já teve tempo demais. E não teve tempo nenhum. Querido Papai Noel,eu não quero que o mundo acabe. Eu não quero o fim. Mas o fim já chegou tantas vezes, de tantas formas. Um fim de namoro. Um amigo morto. Um emprego perdido. Não são estes um fim do mundo, para cada pessoa envolvida? O desespero do fim repentino de um amor, a tristeza pela vida tomada antes da hora, uma fonte de renda que se foi. Não são situações que marcam fins? Querido Papai Noel, o mundo ressurge. Você conhece alguém novo. Um novo amigo aparece. Uma nova empresa te contrata. O mundo acaba e começa novamente. Eu queria entender esses ciclos. Não queria passar por tantos. Eu posso pedir isso, Papai Noel? Eu posso pedir que tudo não se repita tantas vezes? Eu posso pedir alguma coisa?
Querido Papai Noel, eu quero ter dinheiro. Eu quero sucesso. Eu quero poder comprar as coisas que eu sonhava ter, as coisas que pedi em outras cartas que não escrevi. Eu não quero que o meu ciclo acabe. Eu não quero ser mais uma repetição. Eu não vou pedir milagres natalinos, amor, paz, amizade, e tantas outras coisas que tantas outras cartas sempre pedem. Eu nem sei se vou pedir alguma coisa. Eu só quero não ser mais um a pedir tantas coisas que nunca chegam. Eu só quero o direito de querer. Eu só quero poder. É pedir muito, Papai Noel?
Querido Papai Noel, eu queria que meu pai ganhasse tanto dinheiro quanto ele trabalha. Queria que ele tivesse o reconhecimento que ele merece. Eu não sei o que ele quer. Eu só queria que ele tivesse as coisas que ele quer. Quantos outros pedem por seus pais? Eu só quero que esse ciclo não acabe. Eu só quero tê-los para sempre. É Natal, eu posso fazer esse tipo de pedido. Eu queria que minha mãe se desse bem com a mãe dela. É triste ver um ciclo que se fecha assim. É triste saber que o meu irá se fechar assim. Eu posso parar o tempo, Papai Noel? Eu posso tentar evitar o inevitável?
Querido Papai Noel, e se o mundo não acabar? Além do que já acaba todos os dias. E se tudo continuar? Seremos diferentes das mesmas pessoas que nunca fomos. E se acabar? Se esse for o ciclo final, o que nos resta? Aproveitar uma semana? Viver esse pequeno resto de vida, na esperança de chegar satisfeito ao fim? Nunca aceitaremos o fim. Não fomos feitos para morrer. Fomos feitos para viver. Mas não fomos feitos para saber viver. A imortalidade não é tão desejada porque temos medo da morte, mas sim porque temos medo da vida. Sempre há o que fazer, sempre há algo a ser corrigido. Nosso tempo de vida nunca é o bastante. Não queremos perder a juventude. Não queremos perder nossos pais. Não queremos perder nossa família. Não queremos perder. Eu posso viver para sempre, Papai Noel?
Querido Papai Noel, eu quero a eternidade de momentos. Eu quero a fugacidade de uma paixão. Eu quero as lembranças de uma juventude. As saudades da velhice. Eu quero viver. Eu não quero arrependimentos. Eu não quero desejar a imortalidade. Eu quero aceitar meu fim. É querer demais? É sonhar demais, Papai Noel? É esperar demais?
Querido Papai Noel, eu quero esperança. Esperança de que as coisas irão mudar. Esperança de que as coisas continuarão sendo as mesmas. Esperança.
Querido Papai Noel. Você não existe. Você não lerá esta carta, assim como não leu todas as outras milhares que lhe foram enviadas. Cartas sem um endereço. Cartas com um conteúdo. Com uma idéia. Cartas pedindo por uma vida. Cartas escritas por pessoas que esperam seus sonhos.
Querido Papai Noel. Eu quero viver.

domingo, 23 de setembro de 2012

Uma noite qualquer

Alguma coisa faz barulho lá fora. Trovão, fantasma ou ladrão. Não sei. Meu cachorro não late. Já latiu tanto por tão menos.
O som me lembra o de algo sendo arrastado, mas, ao mesmo tempo, o som de crianças brincando. E meu cachorro não late. Já latiu tanto o dia todo.
Tem algo lá fora que me incomoda, e eu não sei dizer o que é. Algo que me irrita, algo que tira o meu conforto. Estou no meio das minhas cobertas. Um relâmpago repentino ilumina meu quarto. Penso ver alguma cena digna de filme de terror, em meio às sombras. Galhos retorcidos, ou algo assim. Mas não. Não vejo nada. A dúvida incomoda mais que a certeza. Não ver nada não me dá segurança alguma.
Outro relâmpago, esse mais longe. Só ouço, segundos depois, o trovão. O barulho se repete. Já não lembro mais se ouvi mesmo um barulho ou se quis ouvir. Dessa vez, mais próximo. Já dentro da casa. Já além do alcance de meu cachorro. Escuto minha mãe andando em seu quarto. Deve ter acordado com os anúncios de chegada da tempestade. Como não acordar?
Já há algum tempo que não ouço mais barulho algum, além do som das gotas de chuva no telhado. Não ouço o choro do meu cachorro. Não ouço os roncos de meu irmão. Não ouço os passos de minha mãe. Não ouço mais nada. Apenas o silêncio frio e abafado de uma noite de chuva de setembro.
Tento sair da cama. Não acho meus chinelos. Não estão no lugar onde sempre ficam. Não gosto de ficar sem eles. Vou para a cozinha. Tomar um copo de água, olhando a chuva pela janela. Ouço um pequeno som, quase um estralo, atrás de mim. Não vejo nada, ao me virar. Apago a luz da cozinha. Alguns metros no escuro até meu quarto. A porta está fechada. Eu a deixei aberta. Deve ter sido o vento que passou pelas janelas fechadas. Entro em meu quarto. Ao me deitar, tropeço em algo. Meus chinelos, em seu lugar de sempre. Ouço um trovão. Não um trovão qualquer. O trovão. Aquele que anuncia o ponto alto da tempestade. Aquele que explicita o ápice da turbulência. Aquele que faz com que as crianças pulem de suas cadeiras. Aquele que assusta. Aquele trovão.
Não enxergo nada em meu quarto. Os trovões se tornam mais constantes, mas ao mesmo tempo, se tornam mais fracos. Começo a sentir frio, mesmo suando. Mesmo fracos, eles são longos o bastante para serem os maestros da tormenta. Começo a ouvir agora o vento. Forte vento. Bruto vento.
A eletricidade deve ter acabado, pois eu escuto o ventilador de meu irmão parando de girar. Ouço um barulho na porta da sala. Ela se abre, soltando dentro da casa todos os barulhos da tempestade. Todo o vento, toda a água, todos os trovões. Um relâmpago ilumina meu quarto. Ouço o mesmo barulho do resto da noite, agora Maia bem definido. Ouço passos. Meu cachorro late...

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

nublado, chuvisco e prédios

Menina, olhando para esse céu eu lembro de você. Eu lembro das esquinas. Eu lembro dos carros. Eu lembro da chuva. Lembro dos seus olhos.
Menina, há anos não te vejo. Não vamos mais às mesmas aulas. Não pegamos mais os mesmos ônibus. Menina, há anos não te esqueço. Sempre me lembro de você, olhando para esse céu nublado, de todo fim de Setembro. Não passo por aquela rua sem me lembrar de quando eu descia ela com você. Todo fim de tarde, menina. Três vezes por semana. E você ainda me fazia a graça de faltar.
O que aconteceu, menina? Eu prometi não sumir. A escola já não está mais lá. Eu saí de lá, me formei. Já não vou lá há algum tempo. Faço hoje o curso que dizíamos querer. Estou hoje onde dizia querer estar. Sou hoje quem eu queria ser. Mas não, menina. Nada correu como eu queria. Nada nunca corre como queremos.
Eu te encontrei há algum tempo. Você me disse ainda querer as mesmas coisas. Me disse ainda ter os mesmos planos. Me disse ainda ser a mesma pessoa. Não queria, não tinha, não era.
O que aconteceu, menina? O que foi feito de nós? O que nos tornamos? Você prometeu ligar. O que sobra é a dúvida.
Não olho para esse céu sem pensar no que foi. Não vai voltar, menina. Nada volta. Nunca. O que sobra é a memória. A memória das tardes, das esquinas e dos prédios. Eu espero te encontrar por aí, numas dessas trombadas que a gente sempre dá com velhos conhecidos. E espero que não sejamos tão velhos conhecidos assim.
É nessa época, é nesse céu de setembro-quase-outubro que eu sinto sua falta. Que passo naquela mesma rua, e me lembro de te ver de costas, subindo no último ônibus. Você não olhou para trás. Ou olhou. Ninguém olha. Eu olhei. E te vi, mais uma vez, uma última vez, em mais um fim de tarde, entre o nublado, o chuvisco e os prédios.

domingo, 26 de agosto de 2012