quarta-feira, 10 de maio de 2017

Circunstâncias

Já são quatro anos desde a última vez em que eu escrevi algo aqui. Quatro anos em que eu enrolei e nunca terminei os inúmeros textos que comecei. Anos em que me perdi e me distraí das coisas que realmente importavam. Anos de textos nos cantos do caderno e nas conversas de celular.
É meio estranho de se explicar. Não existe muito sentimento, muita lembrança. A única coisa que vem à cabeça é fugacidade. Não há uma cronologia estabelecida, firme, embasada. Tudo não passa de riscos e rascunhos e memórias desfocadas. Fugacidade e efemeridade. Um tempo em que escrevi pouco, mas pensei muito. Muitas vezes. Os mesmos assuntos. Extremamente desconexo, sem sentido algum.
Algumas semanas atrás, eu me encontrei com uma pessoa. Uma amiga. Mais uma de uma série de pessoas que surgem em nossas vidas em momentos aleatórios e que, por acontecimentos alheios à nossa vontade, tão aleatoriamente vão embora, restando apenas a promessa de amizade em encontros trimestrais. Conversamos. Conversamos bastante. Na verdade, monologuei bastante. Desabafei. E nesse dia eu cheguei a uma conclusão sobre esses quatro anos. Pela primeira vez em algum tempo, consegui definir algo sólido sobre minha personalidade e minha vida. Eu passei a ter medo. Medo de opiniões, de críticas, da solidão. E isso passou a, mesmo que levemente, alterar a minha maneira de pilotar minha existência (presumindo que ela de fato seja minha para pilotá-la). Exatamente num comentário sobre meu blog, eu percebi isso. Eu comentei que não escrevia há quatro anos. E então ela perguntou-me o óbvio: por qual motivo? E a resposta me saiu tão naturalmente quanto seria possível naquele momento: por vergonha. Por não querer pessoas lendo. Me lendo. Escrever é se expor, e eu estive cada vez mais fechado.
É engraçado quando você estabelece algo em sua vida e passa a se analisar com base nesse algo. Tanta coisa passa a (ou deixa de) fazer sentido. Uns anos pra trás, eu fui convidado pra festa de aniversário de uma moça da qual eu tinha me aproximado recentemente. Não fui. Eu não conhecia os amigos dela, eu não reconheceria ninguém na festa. Me apavorei pelo simples medo de ficar deslocado em algum canto de cômodo. Pensando agora, todo esse tempo depois, parece ridículo, até mesmo sem lógica, que isso seja a justificativa. Mas foi, mesmo que à época eu não compreendesse a situação dessa maneira.
Um dos vários motivos que me fizeram desistir do blog, e de textos em geral, foi a minha dificuldade recente em manter um texto com uma linha de raciocínio coesa e constante. Sempre começo com alguma ideia, mas acabo tentando contextualizar a ideia, o que gera uma explicação, para então voltar ao ponto principal, até alcançar o próximo devaneio em forma de parágrafo. Isso acabava acontecendo tanto que, ao meu ver, inviabilizava o texto enquanto comunicação. Passei a achar que ninguém me entenderia. Passei a ter medo, a ter vergonha. Foi nesse encontro, no mês passado, com essa amiga, que surgiu a sugestão que faltava. O empurrão decisivo.
Acabei entrando em uma espécie de paradoxo das redes sociais. Eu tinha a sensação de que ninguém me lia, ao mesmo tempo em que tinha a sensação de que as pessoas me liam e não gostavam. Porém, uma situação é completamente excludente da outra. Ou sou lido ou não. Apenas. Decidi, então, pela segunda. Que não gostem. Não deixarei de ser eu por medo ou por vergonha. Um posicionamento que eu já adoto na minha vida, na verdade. Tem uma música que eu gosto bastante e que acabou virando uma das minha citações mais utilizadas nos últimos anos: “a única pessoa que realmente está julgando você é você mesmo”.
Meu blog teve mais de quatro mil acessos, ao longo desses sete anos desde a sua criação, mas não teve nenhum nos últimos três anos. Vendo por esse ângulo, acabei por chegar à conclusão de que o lugar criado para exposição acabou se tornando o lugar mais seguro para derramar minhas neuras e meus pensamentos em toda a internet. Talvez seja apenas um sinal dos tempos mesmo, já que ninguém entra em blog hoje em dia.
Estou completamente enferrujado e desmotivado. Vários acontecimentos que não merecem citação neste ou em qualquer texto contribuíram para essa situação. À beira da exaustão. É engraçado ver que esse sentimento é coletivo, de toda uma geração. Ainda não tenho muita opinião formada (embasada) sobre esse assunto. Mas é divertido ver como conseguimos extrair experiências únicas de coisas que acontecem com todas as pessoas. Contexto, novamente. Uma vez, numa conversa, me disseram que a vida era feita de escolhas. Eu respondi que não, por impulso mesmo. A vida não é feita de escolhas. A vida é feita de contexto. Se você realiza as mesmas escolhas, nos mesmos ambientes, com os mesmos indivíduos, da mesma forma, você sempre terá o mesmo resultado. O que possibilita que cada situação em nossa existência seja única? Contexto.
Você está se sentindo mal. Se sentindo um fracasso, um desperdício de vida na face da terra. Aquela pessoa maravilhosa puxa conversa repentinamente em uma tarde qualquer. Vocês marcam um encontro numa lanchonete qualquer, em um horário qualquer. Vocês conversam, se conectam. Fragilidade se torna cumplicidade. Contexto.
Você está se sentindo bem, porém cansado. A mesma pessoa puxa um assunto qualquer. Você não consegue responder na hora. O tempo passa, o assunto é desalinhado. Vocês nunca se encontram. Sem tempo para ser frágil. Solidão na correria. Contexto.
Já são quatro anos desde a última vez em que eu escrevi algo que eu considerasse minimamente decente de ser publicado. Quatro anos de contextualização. Quatro anos de amores e amizades, de empregos, de abandonos e reencontros, de saudades e raivas, de sucessos e frustrações. Mudanças.
É uma pena que eu tenha perdido tanto tempo com coisas que não tenham valido a pena. Me enganarei eternamente dizendo que compensou viver cada situação pelo aprendizado e pela experiência. Ainda não sei definir até que ponto vale sofrer e doer em nome de mais experiência. Não sei se vale a pena confundir calos e machucados com marcas da vida.
A única coisa separando os quatro anos do dia de hoje. Contexto.