domingo, 21 de abril de 2013

Pássaro Vigilante nº xx

Hoje sento sob a mesma árvore. A mesma árvore de todos estes anos. Podada, quebrada, cortada. Com a casca diferente, mas a mesma árvore. Uma versão diferente da mesma árvore. Com outros pombos nela, outras teias de aranha em seus galhos. Porém, sempre árvore, sempre pombos, sempre teias.
Diferentes versões de mim sentaram sob esta árvore. Corta.
Tem um menino correndo logo ali em frente. Rindo e jogando o que parece ser um brinquedo de pano para o alto, totalmente alheio ao que está se passando em sua volta. Esfregando seu nariz nas portas de vidro, dando cambalhotas no chão. A mãe, distraída, conversa com uma amiga, logo ao lado. O menino se cansou, e agora se senta no chão. Ainda rola para lá e para cá, mas em um ritmo bem menor que o inicial. Corre até a mãe, pega uma garrafinha colorida e bebe dela. Se senta por mais alguns segundos e se levanta, ressurge, revigorado. Logo logo estará rodopiando pelo chão novamente, até se cansar, e se jogar no chão ao lado de sua mãe. Sua vida se resume a isso. Sua mãe.
Minha avó morreu há três dias. Eu não sinto a falta dela como achei que sentiria, nem chorei como pensei que choraria. Isso quer dizer que eu não gostava dela? Quando que eu deixei de ser aquele molequinho que não desgudava da mãe e da vó? Que passava dias perto das duas, achando, se é que se dava o trabalho de achar de achar, que elas estariam ali para sempre. Não estarão.
Hoje minha mãe chora a morte de sua mãe. Um dia eu chorarei a morta da minha. E um dia chorarão por mim. Mas, assim como eu agora vejo minha vida sem minha avó, e, mesmo esperando que demore a chegar, sem minha mãe, será que aqueles que são próximos a mim sentirão a minha? Qual o sentido dessa vida? Amar? Ser amado? Rir? Chorar? Ou simplesmente envelhecer e morrer arrependido? Não seria a vida um grande castigo? Crescer e se ver cada vez mais sozinho, incapaz de impedir a partida daqueles que importam para você. Um finito labirinto de expectativas e decepções.
Eu já me sentei neste banco, sob esta árvore, em várias situações. Para correr da chuva, para me esconder do sol, para rir, para abraçar, para ler, para comer. Ou, em algumas vezes, apenas para olhar para o céu e contar as estrelas.
Eu já fui o moleque brincalhão, que se suja no chão enquanto a mãe resolve algo. O moleque que olhava para o banco e via em cara estranho com um caderno na mão. Hoje eu sou o cara estranho no banco com um caderno na mão escrevendo sobre o pequeno babão. Minha vida é a árvore. Daqui eu vim, daqui um dia eu irei. O menininho se foi, o cara no banco um dia irá, assim como tantos já se foram antes dele. E quando minha árvore se for, quando meu banco for arrancado, outros me substituirão. Outras árvores, com outros bancos, outros cadernos falando sobre outros meninos. Ninguém é insubstituível, mas somos todos únicos.
Pode-se amar duas mulheres com a mesma intensidade, mas não será o mesmo amor. Pode-se comprar outro bem após um assalto, mas ele não será o mesmo. Um novo relógio não terá os mesmos arranhões do antigo, a mesma ferrugem. Será um relógio como o anterior, mas será outro. Será um moleque com o nariz no vidro, mas outro moleque. Serei eu no banco, na árvore. Mas não serei eu. Qual o sentido dessa vida? Não fazer sentido.