domingo, 23 de setembro de 2012

Uma noite qualquer

Alguma coisa faz barulho lá fora. Trovão, fantasma ou ladrão. Não sei. Meu cachorro não late. Já latiu tanto por tão menos.
O som me lembra o de algo sendo arrastado, mas, ao mesmo tempo, o som de crianças brincando. E meu cachorro não late. Já latiu tanto o dia todo.
Tem algo lá fora que me incomoda, e eu não sei dizer o que é. Algo que me irrita, algo que tira o meu conforto. Estou no meio das minhas cobertas. Um relâmpago repentino ilumina meu quarto. Penso ver alguma cena digna de filme de terror, em meio às sombras. Galhos retorcidos, ou algo assim. Mas não. Não vejo nada. A dúvida incomoda mais que a certeza. Não ver nada não me dá segurança alguma.
Outro relâmpago, esse mais longe. Só ouço, segundos depois, o trovão. O barulho se repete. Já não lembro mais se ouvi mesmo um barulho ou se quis ouvir. Dessa vez, mais próximo. Já dentro da casa. Já além do alcance de meu cachorro. Escuto minha mãe andando em seu quarto. Deve ter acordado com os anúncios de chegada da tempestade. Como não acordar?
Já há algum tempo que não ouço mais barulho algum, além do som das gotas de chuva no telhado. Não ouço o choro do meu cachorro. Não ouço os roncos de meu irmão. Não ouço os passos de minha mãe. Não ouço mais nada. Apenas o silêncio frio e abafado de uma noite de chuva de setembro.
Tento sair da cama. Não acho meus chinelos. Não estão no lugar onde sempre ficam. Não gosto de ficar sem eles. Vou para a cozinha. Tomar um copo de água, olhando a chuva pela janela. Ouço um pequeno som, quase um estralo, atrás de mim. Não vejo nada, ao me virar. Apago a luz da cozinha. Alguns metros no escuro até meu quarto. A porta está fechada. Eu a deixei aberta. Deve ter sido o vento que passou pelas janelas fechadas. Entro em meu quarto. Ao me deitar, tropeço em algo. Meus chinelos, em seu lugar de sempre. Ouço um trovão. Não um trovão qualquer. O trovão. Aquele que anuncia o ponto alto da tempestade. Aquele que explicita o ápice da turbulência. Aquele que faz com que as crianças pulem de suas cadeiras. Aquele que assusta. Aquele trovão.
Não enxergo nada em meu quarto. Os trovões se tornam mais constantes, mas ao mesmo tempo, se tornam mais fracos. Começo a sentir frio, mesmo suando. Mesmo fracos, eles são longos o bastante para serem os maestros da tormenta. Começo a ouvir agora o vento. Forte vento. Bruto vento.
A eletricidade deve ter acabado, pois eu escuto o ventilador de meu irmão parando de girar. Ouço um barulho na porta da sala. Ela se abre, soltando dentro da casa todos os barulhos da tempestade. Todo o vento, toda a água, todos os trovões. Um relâmpago ilumina meu quarto. Ouço o mesmo barulho do resto da noite, agora Maia bem definido. Ouço passos. Meu cachorro late...

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

nublado, chuvisco e prédios

Menina, olhando para esse céu eu lembro de você. Eu lembro das esquinas. Eu lembro dos carros. Eu lembro da chuva. Lembro dos seus olhos.
Menina, há anos não te vejo. Não vamos mais às mesmas aulas. Não pegamos mais os mesmos ônibus. Menina, há anos não te esqueço. Sempre me lembro de você, olhando para esse céu nublado, de todo fim de Setembro. Não passo por aquela rua sem me lembrar de quando eu descia ela com você. Todo fim de tarde, menina. Três vezes por semana. E você ainda me fazia a graça de faltar.
O que aconteceu, menina? Eu prometi não sumir. A escola já não está mais lá. Eu saí de lá, me formei. Já não vou lá há algum tempo. Faço hoje o curso que dizíamos querer. Estou hoje onde dizia querer estar. Sou hoje quem eu queria ser. Mas não, menina. Nada correu como eu queria. Nada nunca corre como queremos.
Eu te encontrei há algum tempo. Você me disse ainda querer as mesmas coisas. Me disse ainda ter os mesmos planos. Me disse ainda ser a mesma pessoa. Não queria, não tinha, não era.
O que aconteceu, menina? O que foi feito de nós? O que nos tornamos? Você prometeu ligar. O que sobra é a dúvida.
Não olho para esse céu sem pensar no que foi. Não vai voltar, menina. Nada volta. Nunca. O que sobra é a memória. A memória das tardes, das esquinas e dos prédios. Eu espero te encontrar por aí, numas dessas trombadas que a gente sempre dá com velhos conhecidos. E espero que não sejamos tão velhos conhecidos assim.
É nessa época, é nesse céu de setembro-quase-outubro que eu sinto sua falta. Que passo naquela mesma rua, e me lembro de te ver de costas, subindo no último ônibus. Você não olhou para trás. Ou olhou. Ninguém olha. Eu olhei. E te vi, mais uma vez, uma última vez, em mais um fim de tarde, entre o nublado, o chuvisco e os prédios.